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terça-feira, 13 de outubro de 2015

História da Escola Básica Júlio Dinis, Gondomar










Em 2 de Janeiro de 1967 pelo Decreto-Lei 47.480 cria-se o “ Ciclo Preparatório do Ensino Secundário’’ para começar a ser implementado no ano letivo de 1968/69 (artº 26º , nº 1).
- O Decreto-lei nº 48.572 de 9/9/68 publica o Estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário
- A Portaria 23.601 de 9/9/68 , publica os programas do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário.
Em 1967 é criado o Ciclo Preparatório do Ensino Secundário (Dec-Lei nº.47.480, de 2 de Janeiro), constituído por dois anos (5ª. e 6ª. Classe). Este ciclo passa a ser comum aos liceus e às escolas técnicas. Em 1969, começa uma fase de grandes transformações no ensino em Portugal, que conduziu à sua rápida expansão e massificação. O ensino liceal foi a modalidade que mais se expandiu à custa da proliferação de colégios privados.
O Decreto n.º 48 572 do Ministério da Educação Nacional de 9 de Setembro de 1968
Aprova o estatuto do Ciclo Preparatório do Ensino Secundário que constitui um dos meios possíveis de cumprimento da escolaridade obrigatória.

Nesse seguimento surge a escola Preparatória Júlio Dinis. As primeiras reuniões são feitas na Escola Industrial e Comercial de Gondomar. Aí, certamente, foi decidido o nome a dar à escola e o local onde deveria ser ministrado o ensino às meninas, já que a secção dos rapazes ficaria na própria Escola Industrial.








Se a escola Preparatória Júlio Dinis, começou por ocupar o edifício da Rua Dr. Oliveira Salazar/ 25 de Abril, com o número 279 (secção feminina), e parte das instalações na Escola Comercial e Industrial de Gondomar (atual Escola Secundária), em Janeiro de 1973 passou a ter novas instalações contíguas à atual Secundária de Gondomar.
Após o 25 de abril de 1974, a Escola Júlio Dinis passou a denominar-se Escola Preparatória de Gondomar.

Por que denominar-se Júlio Dinis?

Durante muito tempo defendeu-se que foi junto de Agostinho Ferreira Barbosa, reitor de Fânzeres, que Júlio Dinis estadeou em convalescença da sua tuberculose, em agosto e parte de setembro de 1869. Como o reitor de Fânzeres, homem esmoler e culto, personifica a bondade em pessoa, há uma corrente de pensamento que o indica como inspirador da personagem “Reitor” das pupilas do Senhor Reitor do referido escritor. Efetivamente, o Padre Agostinho, foi coadjutor de Fânzeres desde 1824 e Reitor a partir de 1832, datas muito anteriores à estada de Júlio Dinis naquela freguesia. Aliás morre um ano antes da publicação da obra em 1866 no “jornal do Porto”.
Por essa altura o pároco com o qual é natural Júlio Dinis ter travado amizade,já que são ambos do Porto, é o padre António Pinto do Outeiro.
Mais provável é o padre Agostinho assemelhar-se à personalidade desse outro Reitor, o reverendo Fernando António Correia da Silva, abade de Grijó, reitor desde 1833 e falecido em 1877, esse sim possível inspirador de “As Pupilas do Sr. Reitor” segundo a opinião do prof. António Domingos de Sousa Costa.[i] Também o médico Egas Moniz que investigou a obra do seu colega, Júlio Dinis mostra provas em que “As pupilas do Sr. Reitor” teriam sido escritas em Ovar e inspiradas em pessoas dessa terra. A verdade, é que o mundo rural tem muitas semelhanças entre si e mesmo Júlio Dinis diz que se inspirou no ”Pároco de Aldeia” de Alexandre Herculano”:
Esse romance das “Pupilas” é a realização dum pensamento filho das impressões que, desde a idade de doze anos, tenho recebido das sucessivas leituras do “Pároco de Aldeia”. O meu Reitor não fez mais do que seguir, a passo incerto, as fundas pisadas que o inimitável tipo criado por v. EXª deixou na sua passagem”[ii]

Serafim Gesta[iii] e Fina de D´Armada[iv] defendem que Júlio Dinis teria estado em Fânzeres, aquando do exercício de funções do Padre Pinto do Outeiro. Fina d´Armada refere mesmo que Júlio Dinis esteve hospedado no presbitério com o escritor Augusto Luso, a convite do padre. Reproduz até uma carta do escritor, datada de 1869:
S. Salvador de Fânzeres, 24 de Agosto de 1869
(Residência paroquial)
Meu caro Passos:
O Luso tem novamente sido ameaçado de dores de queixos e, por isso, pede que lhe mandes doze papeia de sulfato como de costume.
Eu também ao acordar fui mimoseado com um leve incómodo, para me não esquecer de que sou doente, como às vezes estou próximo a convencer-me. Por isso e por a trovoada matinal, gorou-se a projectada pescaria e limitou-se o divertimento do dia a simples passeio campestre. Não tenho remédio, para não desconsiderar de todo em todo a medicina, em que cada vez creio menos, senão esfregar-me com alguma coisa que me evite a repetição da pouco agradável surpresa de ontem; por isso peço-te que me mandes uma porção de óleo de croton. O meu estado de espírito não é mau: digo-te com sinceridade. Já me vou acostumando às peripécias da minha doença; aceito-as como factos habituais. O nosso bom abade continua aflito com o calor, desconfiado da política moderna e preocupado com a engorda dos seus porcos. Pede-me ele que tu lhe mandes comprar um rol para a roupa da lavadeira, desses que têm os objectos pintados, para suprir a falta da Clemência; quer também uma mão de papel fino para cartas e um maço de envelopes. Adeus. Visitas ao Eugénio, que tenha menos pressa de deixar o Porto.
Recomenda-me a teu pai, que estimarei saber que experimenta melhoras.
Teu do coração
Coelho

 Fina d´Armada vai mais longe e escreve que alguns capítulos do romance “Os Fidalgos da Casa Mourisca” teriam sido escritos em Fânzeres, já que o Júlio Dinis informa:
“Principiei a escrever “Os Fidalgos da Casa Mourisca no Funchal, em Março de 1869. Levava-o em meio do capítulo 8º, quando voltei ao Porto, em maio do mesmo ano. Trabalhei no Porto e escrevi-o até princípios do capítulo 17 desde Junho até Outubro, época em que voltei para a Madeira. Concluí-o no Funchal em 11 de Abril de 1870.”
Segundo este relato, entre Junho e Outubro de 1869, escreveu nove capítulos. Dentro deste período fica a sua estadia de Julho e Agosto, em Fânzeres, onde poderia ter escrito alguns capítulos entre o 8º e o 17º.
No capítulo IX, realça o sentir dos que emigram, mudam e regressam vendo tudo na mesma, o que aconteceu em Fânzeres, embora não exclusivamente:
“Ó feiticeiras fadas, que nos acompanhais quando por longe andamos, devorados de saudades, a lembrar-nos da terra onde nascemos, porque tão depressa nos abandonais à chegada? Por que … nos fazeis ver a realidade como a víamos dantes”

No capítulo XI, a personagem Clemente, um regedor do Povo tem que enfrentar os excessos dos fidalgos do Cruzeiro, a quem o próprio povo perdoa e as autoridades encobrem. A lavadeira do padre chamava-se Clemência.
No capítulo XI, descreve uma casa que sem específica poderia ser fanzerense:
Era uma casa branca, de um só andar e ao correr da rua, mas de sólida construção, bem caiada, bem pintada e bem esfregada. Entrava-se para ela por um pátio coberto de ramada, cercado de um muro baixo e fechado por uma cancela de castanho enegrecido”.
Mais à frente:
“ aqui um monte de rama de pinheiro além duas ou três rimas de achas, acolá um tronco de laranjeiras partido, uma mó de moinho, dois carros desaparelhados, dornas, arados, pipas, canastras, escadas de mão, e várias outros utensílios de lavoura e de uso doméstico”.
Na cozinha ”longos espreguiceiros ao longo das paredes, no alto prateleiros pejados de louça nacional, de panelas e alguidares; nas traves os cabos de cebolas, no fumeiro a bem corada pá de presunto; o amplo forno vomitava labaredas pela boca escancarada e a cada instante engolia as novas e enormes doses de lenha que lhe ministravam; na masseira fumegava já da farinha ainda não levedada para a fornada da semana; e nela os braços valentes e roliços de duas frescas moças do campo enterravam-se até aos cotovelos” Segue-se a fórmula típica do pão que se leva a cozer:
“S. Vicente te acrescente
S. Mamede te levede”
No capítulo XIII, Júlio Dinis descreve um caminho que bem poderia localizar-se numa qualquer aldeia, no verão, porque não em Fânzeres:
A companhia foi seguindo os acidentados caminhos da aldeia, cantando, saltando, pondo em confusão as lavadeiras moças que ensaboavam nas presas, abraçando à força na estrada as raparigas que, vergadas sob molhos de erva ou de milho cortado, mal lhes podiam fugir; visitando todas as tabernas, fazendo correrias a galinhas, porcos ou vacas que se lhes deparavam na passagem, calcando campos e escalando muros co o desassombro de senhores.”
No capítulo XIV, fala-nos do brasão enegrecido dum solar arruinado.
Na verdade, neste solar onde vivia Joaquim Araújo de Rangel, alferes, fidalgo da Casa Real, vereador da Câmara do Porto dotado de um notável espírito poético, mas ideal conservador, Miguelista, está presente na assinatura da Convenção de Évora-Monte. A quinta de Montezelo está, na verdade, nesta altura, a precisar de remodelações, que não são regateadas, mas feitas com recurso a hipotecas e outras operações bancárias.[v]
“Os Fidalgos da casa Mourisca” refletem as lutas entre liberais regeneradores e outras forças conservadoras. Aí, Fr. Januário é um administrador que amaldiçoa as mudanças. O abade Pinto  do Outeiro desconfia da política moderna.
No romance, da janela do solar via-se luz na janela do agricultor Tomé. Na verdade, na altura, em que Júlio Dinis esteve em Fânzeres, existia uma casa de lavoura de António Sousa Neves, que com cerca de 37 anos, que com espírito empreendedor, emparcela veigas, alarga caminhos, compra terrenos para uma escola, faz prosperar as três casas de lavoura que possui,
Este confronto que esteve patente em Fânzeres nesse e noutros tempos, pode muito bem ter inspirado o autor de “Os Fidalgos da Casa Mourisca”.
Uma coisa é certa, Júlio Dinis esteve em Fânzeres entre Julho e Agosto de 1869 a convite do seu amigo, padre Pinto do Outeiro.
Como alguém se lembrou de o nomear como patrono da primeira escola do Ciclo Preparatório do ensino Secundário de Gondomar, é justo que a escola que lhe deu continuação a Escola Básica de Gondomar retome o seu nome homenageando um autor que soube descrever a realidade do seu tempo tão cheio de contradições, como aliás o nosso, e neste sentido tão atual.







[i] Costa, António D. S., O Mosteiro de S. Salvador da Vila de Grijó, Grijó, Ed. Fábrica da Igreja de Grijó, 1993, pp. 221-224
[ii] A.D.P., doc 498 do Cabido da Sé do Porto, K/26/2/4, cx.60
[iii]  Gesta, Serafim, Inventário da Igreja de Gondomr, p. 8
[iv] D´Armada Fina, Monografia da Vila de Fânzeres, Junta de Freguesia de Fânzeres, 2005,p p. 30 e 31 e 427-428
[v] A.C. G., L. 20. T. 174, ff. 371 a 375, in Gomes, Maria de Fátima Isidro Martins, Temendo a Morte, Alguns aspectos da vida em Gondomar, 1834-1893. Freguesias de Fânzeres, S. Cosme, S. Pedro da Cova, Rio Tinto e Valbom, Porto, FlUP, 1996, p.71